28 de jan. de 2010

Estudo sobre a Cidade

Estudo sobre a Cidade

O artigo a seguir foi publicado no blog Espaço: Dimensão do Social, trata-se de uma discussão sobre os processos de construção, expansão e consolidação da cidade, sua construção historica. Um artigo muito rico sobre a origem das cidades
- Como o urbano ultrapassa a cidade -

Jaime Oliva

  • A concentração demográfica parece ser o aspecto fundante do que chamamos cidade e urbano, mas essas formas e termos estão tão generalizados e nos parecem tão familiares e comuns, que, naturalizadas, acabam por obstruir discussões sobre seus elementos fundantes. E isso, talvez, seja uma das razões das dificuldades teóricas que cercam a cidade e o fenômeno urbano. Será a concentração fundante das cidades, ou na verdade ela seria conseqüência de forças mais profundas, com maior peso ontológico?
  • Só no âmbito do mundo moderno a proliferação das cidades atingiu uma escala tão expressiva. Isso porque no passado, a rigor, as populações das cidades eram ociosas e consumidoras de recursos produzidos nos campos agrícolas. É muito comum aceitar-se que a atividade industrial ao se introduzir nas cidades muda-lhes o sentido e, de lugar de desbaratamento de riquezas, a cidade se transforma no centro de acumulação do capital. Assim seria econômico o impulso fundante do processo de concentração demográfico que a partir daí assistiremos. Logo, segundo esse raciocínio a substância da cidade é econômica/capitalista e ela se espacializa concentrando gente, porque lhe é vantajoso, mas não é a concentração em si que seria a substância (o elemento fundante da cidade e do urbano).
  • Pode-se concordar ou não com o total dessa conclusão, mas é difícil não enxergar que a concentração é conseqüência de necessidades postas pelas sociedades. Serão econômicas ou outras? As respostas é que nos aproximarão dos elementos fundantes da cidade.
  • Uma outra linha de raciocínio investe em causas ainda anteriores à transformação das cidades como locus de acumulação de capital, como fonte originária da concentração. O ser humano na constituição do seu ser social precisa lidar com a distância geográfica que o seu próprio ser-no-mundo produz. O ser social, obviamente pressupõe, relações, contatos, que são mais facilitados quanto mais a fricção da distância for relativizada, quer dizer: quanto mais houver concentração mais relações - energia motora da constituição do ser social.
  • As cidades foram a melhor resposta histórica para isso[1], e de certo modo a única possível tendo em conta grandes contingentes populacionais. Apesar de ser a melhor resposta histórica[2] sua realização concreta ao longo dos tempos foi marginal, e somente no mundo moderno ela se transforma numa configuração espacial hegemônica. Nos agrada articular essa resposta à anterior (da prevalência do econômico). Desse modo poderíamos dizer que o fato da cidade ter se transformado em espaço econômico viabilizou sua generalização, mas sua substância (melhor resposta espacial para a constituição do ser social) é anterior, e esse sim é seu principal elemento fundante, sua essência.
  • Em termos práticos as cidades (as concentrações) foram a melhor maneira de promover relações sociais em grande escala, em todos os sentidos, e, por conseguinte, o mundo que somos inevitavelmente brota das cidades, e o que escapa a isso é marginal e controlado por elas. Mas será isso o urbano?
  • Nossa tendência é afirmar que o urbano é a realização concreta (logo também espacial) da necessidade de gerir a distância geográfica para aumentar o número de relações sociais e, que, predominantemente, a cidade foi e tem sido a forma do urbano, mas nos parece necessário não assimilar a idéia de urbano à cidade (ou vice-versa), para deixar no plano teórico uma margem de manobra que nos permita apreender outras respostas para a realização do urbano, isso porque dizer que a cidade foi a melhor resposta não quer dizer que continuará sendo e nem que será a única.
  • François Ascher, por exemplo, apresenta um raciocínio que vê na urbanização um processo remoto e subjacente que se manifesta historicamente por diversas formas, o que converge para a definição que estamos trabalhando: “A perspectivação histórica da metropolização confirma, de certa maneira, esta tendência: a metropolização e agora a formação das metápoles[3] não ocorrem como fenômenos contingentes, mas antes como formas avançadas de um processo de urbanização que começou bastante cedo na história da humanidade e que nunca cessou de progredir até aos nossos dias, apesar dos diversos recuos e bifurcações.”[4]
  • Quer dizer então que segundo Ascher já há outras forma do urbano que não a cidade ao pé da letra. Sem dúvida há que se examinar essa possibilidade que parece se caracterizar pela desdensificação. Dito de outro modo: a distância geográfica está sendo alterada de outro modo a favor da intensificação quantitativa das relações sociais que não faz uso só da concentração geográfica absoluta. Se isso for demonstrado, retira-se do conceito de urbano a inevitabilidade da concentração demográfica absoluta e euclidiana (contígua e contínua) [5] como sua substância, e deixa-se isso principalmente para a cidade. Entendemos ser preciso experimentar essa elaboração teórica.
[1] Conforme o raciocínio sintético, preciso e precioso de Jacques Lévy.
[2] “A cidade responde a exigências quase universais da vida em sociedade? Ela seria então o dispositivo topográfico e social que dá maior eficácia ao encontro e a troca entre os homens. Usando a linguagem da economia neoclássica, a cidade ‘maximizaria a interação social’”. (Marcel RONCAYOLO, La ville et ses territoires, tradução nossa). “A cidade é uma reunião de homens, numa localização favorável, para conduzir as atividades coletivas, um lugar de trocas de pessoas, de bens, de capitais, de idéias e de informações, ao mesmo tempo moldura, motor e resultante das atividades humanas”. (Pierre MERLIN apud Gabriel DUPUY, Les territoires de l’automobile, tradução nossa)
[3] Essa forma metápoles é desenvolvida por François Ascher.
[4] François ASCHER, Metapolis, p.19.
[5] Que pode se transformar num critério qualitativo para julgar a intensidade e a qualidade (perdoem a repetição) da vida urbana, desde que associado a idéia de diversidade.

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